O escritor e designer holandês Ruben Pater apresenta o seu mais recente livro, CAPS LOCK — How capitalism took hold of graphic design and how to escape from it, como um trabalho de referência para discutir a presença do capitalismo na prática do design gráfico, e, acima de tudo, a influência do design na consolidação e disseminação deste modelo económico.
Todo o trabalho de Pater, não só com esta obra, mas também nos seus restantes projetos, procura explorar alternativas e propostas para um futuro mais ético para o design através de um conhecimento alargado das bases históricas, culturais e políticas que constroem a ideia de design com a qual vivemos e trabalhamos hoje. The Politics of Design, o primeiro livro publicado pelo autor em 2016, aborda precisamente o tópico das influências políticas e culturais na comunicação visual. CAPS LOCK vai agora além disso.
Tal como sugere o subtítulo, a obra tem dois principais objetivos: por um lado, apresentar um contexto histórico que demonstra como o capitalismo e o design estão interligados; por outro lado, divulgar que estratégias hoje em execução pretendem imaginar uma prática de design completamente desligada de valores capitalistas, reforçando também como cada designer as pode integrar na sua vida profissional e até pessoal.
A obra mostra-se ambiciosa em relação ao conteúdo através do qual pretende explorar este tema complexo. A organização e estruturação da mesma são por isso aspectos importantíssimos que vão determinar uma boa ou má experiência de leitura. Tendo isso em conta, o autor divide o discurso em 4 partes, colocando o designer como principal ator em todos os cenários apresentados: designer como impulsionador do capitalismo; designer como participante numa economia capitalista; estratégias em design como resposta ao capitalismo e, por fim, 6 exemplos de coletivos de design com práticas anti-capitalistas.
Estas principais partes são ainda subdivididas, tendo em cada secção quatro capítulos. Por sua vez, cada um destes capítulos apresenta subtemas devidamente identificados, os quais dividem o tópico principal do capítulo em textos de pequena extensão. Esta organização repartida do conteúdo revela-se uma mais-valia para o acompanhamento e assimilação da informação apresentada, pois permite um fácil ritmo de leitura e promove um interesse acrescido por parte do leitor aos tópicos que serão abordados na secção seguinte. Devido à densidade da obra, a consulta (posterior a uma primeira leitura) de algum dos tópicos mencionados seria uma tarefa difícil, ou até impossível, mas tal é facilitado devido a este tipo de organização que nos acompanha do início ao fim da obra e que nos permite facilmente localizar um tópico específico.
Ruben Pater utiliza uma linguagem direta e clara sem deixar de ser esclarecedor e educativo; não se perde no seu discurso e consegue manter o interesse do leitor. A obra apresenta assim uma abordagem relevante, e até com carácter educativo, ao tema que pretende desenvolver. Para além do público-alvo mais expectável, é acessível a leitores sem conhecimentos prévios de design, pois segue uma ordem cronológica muito focada no contexto histórico do capitalismo, do design e da relação entre eles.
Para além disso, ao longo de todo o livro o texto é interpolado por diversos exemplos e imagens, acompanhadas de legendas informativas, o que é bastante útil para uma boa compreensão das várias situações, projetos, tópicos e acontecimentos históricos que são apresentados. São também atribuídas expressões de destaque a algumas frases já presentes no texto.
Apesar destes elementos gráficos serem, no geral, algo positivo, é de mencionar que a sua presença por vezes quebra o ritmo de leitura, pois obriga o leitor, a meio de um parágrafo, a desviar os seus olhos e atenção para outro lugar. Inclusive muitos dos exemplos não são mencionados diretamente no texto, o que exacerba essa quebra. Se tal fosse feito, era possível preservar o ritmo de leitura, sem prejudicar a informação relevante que é acrescentada pela presença dos exemplos.
Não retirando a relevância de todos estes exemplos ao longo da obra, é de destacar a especial importância destas intervenções ao apresentarem imagens históricas de objetos e conceitos que raramente são associados ao design, como a marcação de escravos, através de ferramentas de metal que queimavam na pele um logotipo do proprietário. Este sistema de opressão e violência, e todo o pensamento gráfico e de organização que o sustenta, está diretamente ligado ao papel do designer, sendo um dos precedentes para a criação e fortalecimento do conceito de marca, agora utilizado desde bens consumíveis até cidades e países.
A secção final do livro é dedicada à apresentação de vários coletivos de design que têm conseguido desligar a sua prática de valores capitalistas. Apesar de serem mencionados variados exemplos de todo o mundo, e até com alguma profundidade e detalhe, penso que seria uma mais-valia atribuir uma maior extensão e destaque a este capítulo, apresentando outras alternativas que desprendem o design gráfico do capitalismo. Não obstante, o autor define bem os seus objetivos desde o início da obra e, sabendo de que de um tema denso e abrangente se trata, assume o livro como apenas uma tentativa, longe de estar completa, de expor o papel do design no estabelecimento do capitalismo. Ao finalizar a leitura do livro é possível concluir que esse objetivo foi atingido de uma maneira exemplar.
O livro assume-se, assim, como um excelente ponto de partida para uma discussão informada sobre o tema, possibilitando a formulação de uma série de questões quanto à prática do design hoje em dia. Ao ganhar novos conhecimentos e uma maior consciencialização em relação ao impacto mútuo entre capitalismo e design, o leitor é levado a formar novas visões sobre o design e as suas possíveis consequências.
Recensão de:
Ana Carolina Rijo
Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL
Disciplina: Estudos em Design, 2022-23