Graphic Design Is Not (…) Innocent explora a pertinência do design gráfico na análise de questões contemporâneas através da compilação de diversos ensaios, artigos académicos e jornalísticos, escritos para designers por designers, críticos ou estudantes. Mais do que encontrar soluções, este livro procura discutir a intencionalidade da comunicação visual nas sociedades globalizadas, de forma a estimular o pensamento crítico e questionar a ética da sua prática do design.
Cada um dos seus 30 capítulos, escritos por diferentes autores, explora um tema específico, os quais variam entre a questão da representatividade em ‘Not all Africans Are Criminals, Not all Koreans Eat Kimchi’ (pág. 99-103) do feminismo em ‘Designing Feminist Tools’, Feminist Internet (pág. 162-168), ou mesmo da tentativa de definição do que é ser-se designer em ‘What Is A True Designer?’ (pág. 67-78). Cada autor reflete ainda sobre o modo como o design molda (in)conscientemente o pensamento da sociedade e sua consequente interpretação do mundo.
Esta recensão centrar-se-á no capítulo 5, ‘On The Encroachment of Modernism – Class, Culture and Colonialism’ (pág. 59-66), escrito pela escritora e educadora britânica Anoushka Khandwala, o qual explora a fetichização do minimalismo como ideal no design gráfico e como essa ligação resulta numa questão de estatuto social e de poder.
No seu capítulo, Khandwala reflete sobre o modo como a fetichização do minimalismo contribui para a distinção de classe pela rejeição do decorativismo excessivo. Ou seja, o pressuposto ideal de simplicidade inerente ao minimalismo já não mais pertence à esfera da clareza formal, governada pelo utilitarismo, pela genuinidade e intencionalidade puras. Segundo a autora, tal conceito e prática foram consequentemente adotados pela indústria como uma arma a favor do capitalismo e da manipulação social. O que outrora se qualificaria como minimalista, pelo despojamento e recusa da ostentação e ornamentação, ou pela crença na qualidade em detrimento da quantidade, transformou-se numa estratégia de marketing que promove antes um estilo de vida consumista exclusivo da classe média/alta. Atualmente, a estética moderna, aliada ao refinamento da forma, à subtileza, tornou-se sinónimo do bom gosto e do requinte, subvertendo o minimalismo a uma mercadoria, ao invés de uma necessidade ou como resultado da escassez de meios. A ideologia original minimalista entrou em conflito com o seu uso contemporâneo, uma vez que, embora transparecendo a utopia do estilo de vida simples do “less is more”, o custo de tal realidade é bastante dispendioso. O minimalismo estabeleceu-se como linguagem dominante da comunicação visual e como método eficaz para transmitir informação clara e perspicaz.
A autora caracteriza este estilo emergente de Palatable design, o qual descreve da seguinte forma: “a design that constructs an ideal that the consumer wishes to buy into. (…) often manifests as a modernism aesthetic that heralds the clean-cut typeface, sharply edged grid lines, and white spaces. It praises scarcity, and shuns maximalism” (p. 59). Contrariamente ao ornamento e à decoração excessiva, as marcas, os objetos e toda a comunicação assumiram, pelo seu design, uma linguagem clean associada a uma estética aparentemente modesta que tem vindo a transformar a personalidade anterior destes elementos num estilo impregnado de fontes geométricas sem serifa e cores planas, o qual valoriza a importância do espaço em branco.
A transformação do design pelo minimalismo poderá surgir como consequência da nova era digital, na ideia de simplificação da complexidade dos meios de comunicação e informação. Contudo, essa transformação tornou-se antes numa ilustração do luxo aliado a um propósito capitalista da indústria que tira proveito da simplificação dos conteúdos visuais para gerar maior lucro.
Segundo Khandwala, a problemática centra-se no método de ensino do design gráfico, no qual os alunos são educados para apreciar e aplicar os princípios do minimalismo na simplificação dos seus projetos – seja pela estrutura demasiado lógica da página segundo regras de construção convencionais, seja pela (quase) obrigação de criarem composições expectáveis e pouco diferenciadoras. Como consequência, a sobriedade dos projetos canaliza a essência do design em prol de uma estrutura pouco diferenciadora que beneficia a superioridade e distinção de classes, por se dirigir somente a uma elite específica, ao invés de promover a união pela produção de conteúdos diversos para públicos variados.
A apropriação dos valores do minimalismo assumiu-se como um veículo para a promoção do capitalismo e de determinados nichos elitistas, que associam o despojamento de excessos ao luxo, com o objetivo único de alimentar um ideal de superioridade. Tal aproveitamento resulta, neste caso, da deturpação do propósito do design gráfico, que poderá conduzir a cenários de desigualdade social. Assim, o livro incentiva o diálogo sobre a apropriação das normas e valores do design gráfico e a ética da sua prática – no caso do capítulo analisado, foi possível observar como os princípios de clareza e simplicidade do minimalismo podem ser manipulados para finalidades opressivas – convidando o leitor a repensar os significados e valores culturais atribuídos ao design.
Recensão de:
Ana Teresa Zerbes
Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL
Disciplina: Estudos em Design, 2022-23