Colomina, Beatriz & Wigley, Mark
Are We human? Notes on an archaeology of design
2018 Zurich
Lars Müller
Editora
No âmbito da terceira edição da Bienal de Design de Istambul, Beatriz Colomina e Mark Wigley, curadores da mesma, escreveram o livro Are We human? notes on an archaeology of design, uma intricada pesquisa sobre a relação do Humano com os seus objectos quotidianos e o seu design. Iniciando-se nas ferramentas mais primitivas e aproximando-se do atual contexto pós-digital, analisa o conceito de humano e seu comportamento com base nas suas criações e o modo de operação das mesmas. O livro divide-se em capítulos, os quais são intercalados por citações de outros teóricos.
Beatriz Colomina, historiadora de arquitetura, teórica e curadora, aborda usualmente temas da arquitetura, arte, tecnologia, sexualidade e média. Foi recentemente premiada com o Ada Louise Huxtable Prize de 2020. Colomina é também diretora-fundadora do Programa Interdisciplinar de Média e Modernidade na Universidade de Princeton. Mark Wigley, arquiteto, professor, historiador, teórico e curador, dedica-se a temas como a interseção entre arquitetura, arte, filosofia, cultura e tecnologia. Alguns dos seus trabalhos mais notórios incluem Deconstructivist Architecture (1988), White Walls, Designer Dresses (1995) e Cutting Matta-Clark (2014).
Iniciando-se com a questão presente no título, os autores interrogam o leitor sobre a mutabilidade do humano e da sua definição em função do design. Serão os artefactos desenhados pelos humanos aquilo que os torna mais humanos? Para responder a estas perguntas somos direcionados para o Paleolítico, onde os primeiros objetos começaram a ser construídos com um certo pensamento na sua concepção. Estas ferramentas primordiais não só foram desenhadas a pensar na ergonomia humana como elas mesmas a viriam a moldar, podendo-se assim dizer que o design é redesenhador da Humanidade, tal como os autores afirmam: “Design always presents itself as serving the human but its real ambition is to redesign the human” (p. 09).
O ornamento, apesar do seu carácter estético, não deixa de ser um marco na realização do homo sapiens sapiens por salientar o desenvolvimento de reconhecimento visual e cognitivo das espécies, bem como a troca de bens entre diversos grupos e regiões.
Nos seguintes capítulos do livro, o discurso dos seus autores move-se para o distanciamento do humano e em direção da criação de um novo humano por movimentos modernistas. Na minha opinião, este discurso foca-se em demasia na arquitetura, ignorando consequentemente outras vertentes do design. O novo humano, projectado no minimalismo das habitações do arquiteto suíço Le Corbusier, é definido como “limpo”, “puro”, “estéril”, “direto” e “moral”, sendo considerado livre de ornamento e doença. Espaços que através do design tornam o humano anestésico são respostas aos eventos traumáticos da guerra e das doenças que a seguiram: “Modern buildings even started looking like medical images, with transparent glass walls revealing the inner secrets of the building” (p. 107).
Consequentemente, as representações do corpo que se seguem assemelham-se na sua figura atlética e saudável, associada a um regime de dieta controlado e obsessivo: “The smooth line of the silhouette takes over from the unstable limit of the body constantly worked on in everyday life. The silhouette that represents the human takes over that space of self-reconstruction with the image of a new normal body” (p. 185).
O humano atual não se limita simplesmente a ser influenciado pelo design, redesenhando-se ativamente através da tecnologia e da medicina. Modificamo-nos interior e exteriormente de forma diária e sem nos apercebermos, adicionando componentes artificiais à já vasta constituição de organismos no nosso corpo: “A galaxy of screws, plates, nails, wires, and stents in metal, ceramic, or plastic are added to support broken, weakened or diseased body parts” (p. 261).
Contudo, talvez o maior contribuidor para este cyborg sejam os dispositivos móveis cada vez mais necessários à convivência e interação humanas: essas máquinas que apesar de serem fisicamente separadas dos nossos corpos são como que aceites como parte e extensão do nosso ser: “The cellphone is perhaps just the most visible tip of what may be the biggest human artefact of all, the global communication-computation system” (p. 264). Chegando a estar presentes até nos nossos mais íntimos momentos, são o que nos conecta às redes sociais, a consciência coletiva da humanidade. Uma inovação que está a transformar radicalmente o pensamento e comportamento humano. Poderemos dizer que ainda somos humanos ou estaremos a nos tornar numa nova espécie?
Na sua estrutura e formato, este livro é de fácil transporte e leitura. A sua informação encontra-se bem distribuída, apesar do acentuado foco na cronologia de eventos históricos, esquecendo outras formas de abordagem à história, nomeadamente a influências das relações humanas na propagação de ideais. Talvez o que cause mais desorientação seja a organização dos capítulos no seu índice, que num livro de proporção convencional faria sentido, mas devido à verticalidade deste, e à organização de páginas anteriores, causa confusão nos leitores que seguem intuitivamente uma leitura em “Z”, levando-os a perder-se no mesmo.
Apesar da sua ligação com a Bienal de Istambul, a leitura desta publicação não depende da participação, visita ou conhecimento da mesma. A leitura é igualmente acessível a alguém sem conhecimentos específicos das artes e do design, sendo que a mesma fornece o contexto histórico necessário para a compreensão dos conceitos discutidos. Embora não inclua muito do contexto social e das influências mais marcantes em muitos dos casos que aborda, não deixa de ser um bom livro introdutório e explicativo do impacto do design na Humanidade e na “programação” da mesma.
Recensão de:
Beatriz Reis
Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL
Disciplina: Estudos em Design, 2022-23