Kuang, Cliff & Fabricant, Robert
User Friendly: How the hidden roles of design are changing the way we live, work and play
2020 London
WH Allen
Editora
O livro User Friendly: How the hidden roles of design are changing the way we live, work and play, publicado em 2019, surgiu da colaboração entre dois designers: Cliff Kuang e Robert Fabricant. Cliff Kuang é um designer especializado em experiência de utilizador, para além de jornalista premiado. Atualmente, é designer sénior na Google. No passado foi editor da revista Wired e ocupou cargos no departamento de experiência de utilizador e de design de produto na Fast Company, uma revista mensal de negócios focada em inovação tecnológica, liderança, negócios e design. Muitos dos seus textos sobre a interseção da cultura, da tecnologia e dos negócios foram publicados no New York Times, Bloomberg Businessweek e The Economist. Robert Fabricant é um designer cujo trabalho abrange todas as áreas, nomeadamente, o design de ambientes interativos e mundos virtuais, dispositivos médicos, sistemas de navegação e serviços cívicos. É co-fundador e sócio da Dalberg Design, entidade que oferece serviços de design e inovação centrados no ser humano, designadamente, no campo do impacto social e do desenvolvimento internacional. No passado, co-liderou a equipa criativa da Frog Design, uma consultora global de criação e design.
Ancorado em acontecimentos históricos e em histórias de designers e criadores cujos conceitos e projectos impactaram o mundo e alteraram o paradigma do processo criativo e da experiência de utilizador, este livro guia os leitores pelas regras ocultas com que o design molda o comportamento e a experiência dos utilizadores. Os conteúdos narrativos do livro dividem-se em 5 partes principais: “Introduction: The Empire of User-Friendliness”, “Part I: Easy to Use”, “Part II: Easy to Want”, “Afterword: Seeing the World Through User-Friendly Eyes” (escrito por Robert Fabricant) e “Appendix: A Brief History of ‘User Friendly’”, o qual oferece uma breve história e enquadramentos históricos dos momentos-chave que definiram o conceito de user friendly.
Cada capítulo tem no seu início uma ilustração da autoria de Chris Allen, aludindo a um acontecimento, objeto ou funcionalidade que impactou a implementação e o desenvolvimento do conceito de user friendly. Estas ilustrações, referenciadas como exemplos daquilo que os autores pretendem retratar, atuam como uma introdução muito apelativa ao tema que vai ser explorado nesse mesmo capítulo. Este é um detalhe de design de um livro de 416 páginas cuja dimensão e peso reduzido fazem dele um objeto extremamente convidativo à leitura. A capa da edição em paperback (capa mole) foi desenhada por Rodrigo Corral, tendo o miolo sido projetado por Richard Oriolo.
A organização, estruturação e linguagem utilizada no livro são outras das suas mais-valias. A sua linguagem simples e clara permite uma fácil leitura e um interesse crescente por parte do leitor, quer se trate de um designer ou de um indivíduo que não tenha conhecimentos prévios em design. Embora o livro trate de assuntos complexos de forma acessível, é necessário mencionar que por vezes os autores divagam num caso específico ou apresentam demasiados exemplos, tornando a narrativa repetitiva e demasiado detalhada. Por contraste, as páginas finais do livro, dedicadas a notas (apontamentos, divididos pelo capítulo correspondente, com referências, excertos completos ou fontes), bibliografia, agradecimentos e índice remissivo, são um dos elementos diferenciadores e um dos aspectos mais positivos do livro. Além de auxiliarem a leitura e darem uma melhor contextualização do que está a ser referido, funcionam como uma biblioteca, organizada por temas, que o leitor pode revisitar noutras ocasiões.
Embora o termo user friendly seja frequentemente referido, a sua origem, real significado e sua funcionalidade, permanecem esquecidos. Através de uma análise da criação de objetos icónicos e conceitos que alteraram, vezes sem conta, o paradigma do design e da experiência de utilizador, o livro apresenta a história completa do termo e como este se tornou tão familiar ao ponto de redefinir quase todos os minutos da nossa vida.
User Friendly: How the hidden roles of design are changing the way we live, work and play oferece a explicação para o porquê da experiência de utilizador e do feedback ser tão relevante tanto para designers, como para outras pessoas menos familiarizadas com o termo user friendly mas que vivem com o impacto da sua existência.
O desenvolvimento deste tema é apresentado de uma forma mais relevante nas duas partes do livro: “Part I: Easy to Use” e a “Part II: Easy to Want”, compostas pelos capítulos “Confusion”, “Industry”, “Error”, “Trust”, “Metaphor”, “Empathy”, “Humanity”, “Personalization”, “Perfil” e “Promise”. Por se tratar de uma obra densa, a divisão destas duas partes em capítulos mais reduzidos e específicos promove um ritmo de leitura mais rápido e uma separação mais acessível por temas, autores e projetos.
Cada capítulo foca-se num acontecimento, objeto ou funcionalidade, levantando questões críticas sobre o tema que é retratado com base em exemplos de produtos e a sua história. As respostas a estas questões apontam para um problema maior, resolvido através da melhoria da experiência de utilizador ou da clareza do feedback entre o ser humano e a máquina, demonstrando o processo do impacto do utilizador no processo de design. O livro descreve como, em diferentes momentos, podemos analisar acidentes causados por “erros de máquinas”, “erros de piloto” ou “erros do designer” através de exemplos como o acidente do bombardeiro do B-17 Flying Fortress de 1936 ou o acidente da estação nuclear Three Mile Island de 1978.
Os autores apresentam exemplos user friendly desde quando ainda não existia um termo nem um procedimento correto para definir este conceito até à atualidade, onde a experiência de utilizador está sempre presente e é essencial para a vivência do ser humano. Esta abordagem original ao termo inclui exemplos de histórias sobre designers, produtos e empresas não apenas provenientes da disciplina do design de comunicação mas também de uma diversidade e complementaridade de áreas envolvidas com o design, tais como o design de produto, de interação, de informação e de edição, bem como o cinema, a música e a inteligência artificial, entre outros.
Cliff Kuang afirma: ”Este livro começou com o trajeto de um século para encontrar o ‘usuário’ em ‘amigável’ – a história de como as pessoas passaram a entender quem são as pessoas, o que precisam, o que usarão. Nas primeiras décadas do design centrado no usuário, isso significava encontrar os princípios subjacentes a como esperávamos que o mundo se comportasse” (p. XX) 1
É necessário mencionar que esta estratégia é bem conseguida e essencial para a compreensão do que o livro trata. Na narrativa criada, apoiada em casos reais e testemunhos de criadores, designers, engenheiros, escritores, cineastas, psicólogos, entre muitos outros, os autores orientam o leitor pelas suas linhas de pensamento, informando e incentivando-os a refletir sobre o que leram para que eles próprios se tornem consumidores conscientes e críticos de design.
Robert Fabricant observa: “Portanto, este livro pretende ser uma experiência de usuário cuidadosamente elaborada em torno de suas necessidades como leitor: você é o usuário deste livro e o usuário no centro do mundo amigável (…) Em última análise, é você — o usuário — que nos deve responsabilizar pelos princípios aqui descritos. De que outra forma podemos utilizar a vasta gama de superfícies de experiências do usuário presentes neste livro e fazê-las funcionar melhor para nós e para a sociedade em geral?” (p. 301).2
Dos diversos exemplos apontados ao longo do livro, considero que os autores procuraram acima de tudo fundamentar e dar credibilidade aos princípios da experiência de utilizador, do feedback e os benefícios de ter o utilizador como prioridade. User Friendly: How the hidden roles of design are changing the way we live, work and play funciona assim como um manual essencial para qualquer designer, explicando pela primeira vez o que fazer e como fazer.
1 Citação traduzida pela autora. Citação original: “This book began with the century-long journey to find the ‘user’ in ‘user friendly’ — the history of how people have come to understand who people are, what they need, what they’ll use. In the early decades of user-centered design, this meant finding the principles that underlay how we expected the world to behave”
2 Citação traduzida pela autora. Citação original: “So this book is meant to be a user experience thoughtfully crafted around your needs as a reader: You are this book’s user, and the user at the center of the user- friendly world (…) Ultimately, it is for you — the user — who must hold us accountable to the principles outlined here. How else can we take the vast sweep of user experiences surfaces in this book and make them work better for us and society at large?” (p. 301)
Recensão de:
Inês Mesquita
Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL
Disciplina: Estudos em Design, 2022-23